
BRASÍLIA — O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou nesta sexta-feira liminar para evitar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O motivo foi técnico: segundo o ministro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não julgou o mérito desse mesmo pedido. Portanto, o STF não poderia examinar o caso.
Fachin, no entanto, enviou o caso para o plenário do STF julgar. Caberá à presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, marcar a data desse julgamento.
Apesar de ter liberado para o julgamento em plenário, o habeas corpus não está instruído juridicamente. Ainda falta um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR). Além disso, o STF não se reunirá na próxima semana, por conta do feriado de Carnaval. Portanto, o caso não deve ser julgado em plenário tão cedo.
O envio para o plenário contraria um pedido dos advogados do ex-presidente, que queriam que o habeas corpus fosse analisado pela Segunda Turma, da qual Fachin faz parte, ao lado de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli.
A defesa de Lula apresentou habeas corpus tanto no STF como no STJ, que ainda julga o mérito. Essas são algumas das alternativas tentadas pelos advogados do ex-presidente para evitar a prisão e uma possível barração de sua candidatura pela Lei da Ficha Limpa. Neste caso, a tendência é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgue rapidamente e negue os prováveis recursos apresentados por Lula.
Em janeiro, Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) por corrupção e lavagem de dinheiro. Com a publicação da decisão que condenou o ex-presidente, na última quarta-feira, foi aberto o prazo de 12 dias úteis para que a defesa apresente os embargos de declaração, que podem questionar pontos do julgamento, mas não alteram o resultado.
Mais cedo, Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete do ex-presidente Lula, teve uma audiência com Fachin. O encontro foi rápido e durou cerca de 20 minutos. Carvalho, que trabalha no gabinete da senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, reuniu-se com Fachin um dia depois de os advogados de defesa de Lula também irem ao ministro fazer um apelo para que Fachin deferisse o pedido de habeas corpus.
DEFINIÇÃO SOBRE PRISÃO APÓS 2ª INSTÂNCIA
Decisão do STF de 2016 determinou que condenados por um tribunal de segunda instância podem começar a cumprir pena. No entanto, desde então, ministros da corte mudaram de ideia. Atualmente, o placar está embolado. Há possibilidade da corte permitir que condenados recorram em liberdade até a última trincheira do Judiciário.
Os processos que tratam de prisões para condenados em segunda instância são de relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, que já liberou a discussão para a pauta do plenário. Cármen Lúcia chegou cogitou marcar o julgamento. Mas, na semana passada, declarou que o julgamento do assunto à luz de um caso concreto iria “apequenar” o Supremo.
Na decisão desta sexta-feira, Fachin disse que seria importante o plenário definir o tema, para evitar julgamentos díspares da Primeira e da Segunda Turma do STF. Atualmente, a Primeira Turma costuma entender que as prisões devem ocorrer logo depois da condenação em segunda instância. A Segunda Turma costuma libertar os condenados, dando a eles a chance de recorrer em liberdade.
“Há, portanto, relevante questão jurídica e necessidade de prevenir divergência entre as Turmas quanto à questão relativa à possibilidade de execução criminal após condenação assentada em segundo grau de jurisdição”, escreveu Fachin. “É legítima a pretensão preventiva da impetração ao almejar célere pronunciamento colegiado quanto à matéria de fundo, vale dizer, a execução imediata da pena após sentença criminal confirmada em segundo grau”, completou.
Ao negar a liminar, Fachin afirmou que a regra de não julgar um habeas corpus que não teve o mérito definido pela instância anterior só pode ser descumprida excepcionalmente. Para ele, isso só pode ocorrer “quando a situação demonstrada nos autos representar, desde logo, manifesto constrangimento ilegal”. E, no caso concreto, o cenário não seria esse.
No pedido ao STF, Lula pediu para recorrer em liberdade da sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, até que estejam esgotadas as possibilidades de recurso em instâncias superiores. O TRF-4 declarou que, assim que julgar os recursos do petista, emitirá a ordem de prisão. Lula foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão.
STF ESTÁ DIVIDIDO
O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, comemorou a decisão. “A decisão proferida hoje pelo Ministro Edson Fachin dará ao plenário do Supremo Tribunal Federal a oportunidade de aplicar a Constituição Federal, especialmente no que se refere à garantia da presunção de inocência até decisão final da qual não caiba mais recurso. Esperamos que a ação seja pautada o mais breve possível, a exemplo da rapidez da decisão tomada pelo próprio Ministro Fachin, inerente à natureza do habeas corpus”, diz nota divulgada pelo advogado.
Na última terça-feira, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, votou pela execução antecipada da pena – ou seja, depois da condenação confirmada por um tribunal de segunda instância. Ele era o único ministro que ainda não tinha votado sobre o assunto. Isso porque ele tomou posse no tribunal no início de 2017 e o julgamento sobre o tema havia ocorrido em 2016.
O placar de 2016 foi de seis votos a um. Um novo julgamento poderia resultar num mesmo placar, mas para o lado oposto – ou seja, pela possibilidade de réus permanecerem em liberdade até o último recurso ser julgado. Diante da indefinição, costura-se nos bastidores uma solução intermediária, com a possibilidade de prisão depois da condenação confirmada pelo STJ.
Atualmente, há cinco ministros que defendem as prisões com condenação de segunda instância: Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e a presidente, Cármen Lúcia. Por outro lado, três ministros defendem a prisão somente depois de exauridos todos os recursos judiciais: Celso de Melo, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski.
Em 2016, Rosa Weber votou com esse grupo, para que o réu recorra em liberdade por mais tempo. Recentemente, ela declarou que cogita mudar de ideia. No entanto, não se sabe como ela votaria em um novo julgamento sobre o assunto.
Gilmar Mendes, que votou em 2016 pelas execuções antecipadas da pena, hoje defende, junto com Dias Toffoli, uma espécie de caminho do meio, em que as prisões ocorreriam com a confirmação da condenação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Toffoli já defendia essa tese em 2016 – no entanto, na ocasião, votou pela possibilidade de um réu recorrer em liberdade até a última trincheira do Judiciário.
Antes de recorrer ao STF, a defesa pediu o habeas corpus ao STJ. O pedido foi negado pelo vice-presidente da corte, ministro Humberto Martins. Segundo o ministro, não havia ainda nenhuma ordem de prisão – portanto, o habeas corpus não seria urgente. No pedido ao STF, os advogados pediram novamente para Lula recorrer em liberdade, até que estejam esgotadas as possibilidades de recurso em instâncias superiores. O TRF-4 declarou que, assim que julgar os recursos do petista, emitirá a ordem de prisão. Lula foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão.
Os advogados do ex-presidente alegam que o cumprimento antecipado da pena é incompatível com o artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
A defesa ainda fez uma referência a uma declaração da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, que disse que mudar o entendimento do cumprimento de pena por causa do processo do ex-presidente seria “apequenar muito” o tribunal. No habeas corpus, os advogados afirmam que essa mudança seria o reestabelecimento da presunção de inocência. “Rever esse posicionamento não apequena nossa Suprema Corte — ao contrário — a engrandece, pois, nos momentos de crise, é que devem ser fortalecidos os parâmetros, os princípios e os valores”, diz o texto.
Eles alegam que essa discussão “prescinde de nomes”, já que é de interesse da sociedade brasileira como um todo. “Espera-se que este Supremo Tribunal Federal, a última trincheira dos cidadãos, reafirme seu papel contramajoritário, o respeito incondicional às garantias fundamentais e o compromisso com a questão da liberdade”, afirmaram os advogados.
(Colaborou Catarina Alencastro)